domingo, 15 de abril de 2018

O mendigo


Nas turres soberbas da grande cidade 
O sol desmaiado não tarda a morrer; 
Recrescem as sombras: que importa? a vaidade 
No manto das sombras envolve o prazer. 

E u velho entretanto lá sobe a montanha, 
Caminha, caminha, no cimo parou: 
Em frígidas gotas o rosto lhe banha 
Suor copioso, que à terra baixou. 

Quis antes da morte, nas serras distantes 
Fitar inda os olhos cansados da luz; 
A aldeia da infância saudar por instantes, 
Depois satisfeito depor sua cruz. 

Olhou, e um suspiro de vaga saudade 
Juntou a seus prantos em funda mudez; 
Depois, ao volver-se, topando a cidade, 
Que em ébrio tumulto folgava a seus pés: 

«Mal hajas, cidade, que ao pobre faminto 
«O pão da desgraça negaste cruel! 
«Mal hajas, mal hajas, que a terra do extinto 
«Talvez lhe negaras, à tumba infiel!» 

E exausto e sem forças, caiu de joelhos; 
E a fronte cansada firmou no bordão: 
Passados instantes, os olhos vermelhos 
Ao céu levantava, dizendo: perdão! 

Caíam-lhe soltas no colo vergado 
As longas madeixas em longos anéis: 
Que nobre semblante de rugas sulcado, 
Sulcado dos anos e mágoas cruéis! 

«Perdão para as vozes que solta a desgraça! 
«Perdão para o triste, perdão, ó meu Deus! 
«Bem hajas, que aos lábios lhe roubas a taça 
«De fel e amarguras, abrindo-lhe os céus. 

«Já filhos não tenho, levou-mos a guerra; 
«Esposa não tenho, finou-se de dor; 
«Amigos não vejo na face da terra: 
«Que faço eu no mundo? bem hajas, Senhor! 

«Às portas do rico bati sem alento, 
«Eu rico n'outrora, mendigo por fim: 
«O rico sem alma negou-me o sustento, 
«Aqueles que amava fugiram de mim. 

«Vaguei pelo mundo, nas faces mirradas 
«Colhendo os insultos que ao pobre se dão; 
«Sem pão, sem abrigo, por noites geladas 
«Pousei minha fronte nas lájeas do chão. 

«Que vezes a morte chamei sem alento 
«Cansado dos anos, e fomes, e dor! 
«A morte não veio: sofri meu tormento... 
«Só hoje me ouviste! bem hajas, Senhor! 

«Os homens e o mundo negaram-me os braços, 
«Mas tu me recolhes, tu me abres os teus... 
«Minha alma te busca, desprende-a dos laços... 
«Perdão para todos, perdão, ó meu Deus!» 

E um ai derradeiro soltou d'ansiedade, 
Caindo por terra nas urzes do chão; 
Ao longe, no seio da grande cidade, 
Brilhava das festas nocturno clarão.

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